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2008/01/28

Lobisomens

Um deslindar curioso, que nunca tivera eu reparado em ti… e tu já me conhecias, tão bem. O teu respirar calmo, os teus comentários argutos, que em mim penetravam tal presa insuspeita… objecto de estudo prolongado, para ti, predador sábio e vivido que temerariamente voltavas à caçada. E entre cigarrilhas, vinho verde e luz dourada foste-te perdendo, caindo no abismo do qual nunca conseguiste retornar. A tua teia tornou-se minha.
Depois de tanta análise, de tanta preparação sensata para um acto rápido de ardor, acabas concluindo que ainda sou um enigma. Porque expectativas a curto prazo e prazeres mundanos depressa se fundiriam com ambições futuras, longas, demoradas, um eterno familiar que nunca perturbara os teus pensamentos, mas que agora te piscava o olho.
Não fui nem a primeira, nem serei a última, a ter olhado para ti, e ter-me deixado conquistar, com esses olhos cativantes que me vão despindo, num tom descarado e sôfrego. Não fui a primeira, nem serei a última a, receosa, dar-te um não, temendo por essa voracidade descontrolada. No entanto, sou a única, a única com a ciência uterina e inexpugnável que conseguiu enlouquecer-te de desejo, e deixar-te somente a fugaz memória de uma gargalhada. Fiz-te sofrer, e apaixonaste-te por essa dor.
Resta-te a representação sinestésica, amarga e injusta do conceito que eu sou, para que te martirize no silêncio. Mas não era o meu objectivo. Quedas-te, remoendo na noite solitária a tua campanha inacabada, pelo simples facto de sermos fruto da mesma colheita amarga – que nos distinguiu da maioria. O mesmo passado bruto que nos foi refinando, e os mesmos planos pessoais que fundaram o nosso Mundo. Ou ousas pensar que não sei? Arriscas apostar na crença falaciosa de que o meu encanto é uma arte, e ignorar que é nada mais que reflexo de ti?
Enganas-te, novamente. Porque com um esboço de um sorriso tímido, te desmascaraste para mim, e mostraste ser nada mais do que meu par.
Para os outros, continuas, envergando essa postura arrogante e abusadora, um escudo de ilusões másculas e adultas no qual te sentes protegido, camuflado num mar de testosterona que é para ti real. Debaixo dessa camada falsa de confiança, para além dessas garras impiedosas e de toda a força bestial, esconde-se um ser dócil que anseia por serenidade. Um Homem, de coração sensível e frágil, que colocou uma máscara para que nem ele próprio – tu – visses o teu lado terreno.
E insistes, sendo essa a tua magia: a dualidade fera – Homem. A disparidade que vai do animal selvagem, do predador que me traga sem ter me tocar… e do rosto miúdo que se perde com carinhos e mimos. Cujo desejo máximo é aninhar-se no calor confortável de outro corpo, e simplesmente repousar ao lado de quem ama. Injusta vida regida por aparências; como eu te percebo.
Tremes, recuas, finges aos olhos do Mundo que nada nunca aconteceu, e o teu ego fica inabalável. Será?
Novamente, quando rasgas a roupa de outro corpo, quando avidamente deglutes cada fracção de mim, só te dilaceras a ti mesmo. Perdendo-te em luxúria e volúpia miseráveis e infantis, só te corrompes a ti. E admiram-te, e aplaudem-te por essa sagacidade desmedida, e cada gesto aprovador do teu círculo de fachada se vai em ti enterrando.
Não falta que te veja chorar, porque sofro por tuas dores tomando-as como o que são: minhas. Como te conheço, meu igual, como te vou sentindo, e duramente me vais atormentando, com uma lembrança ondeante que oscila entre o lascivo e o terno…
Cruel fado, que trarias a inquietude aos grandes, de ansiar pela mansidão.

E nós dois, e nós dois...
acompanhando a maior viagem de todas